quarta-feira, 19 de maio de 2010

História desbotada



O jogo contra o Universidad de Chile na Taça Libertadores da América está para chegar, mas a partida do Flamengo contra o Vitória no sábado ainda repercute entre os torcedores. Não pelo empate em 1 a 1 sacramentado nos últimos minutos - quando Bruno permitiu o gol de Elkesson numa cobrança de falta defensável - e sim pelo uniforme com o qual o time entrou em campo.

A iniciativa de fazer um terceiro uniforme geralmente é por questão mercadológica. A marca FLAMENGO é chamariz de vendas com qualquer produto, ainda mais se for em relação a uma nova camisa. Na Europa, é muito comum times terem um uniforme diferente de seus "oficiais" e, tradicionalmente, eles diferem bastante das cores e dos estilos característicos da equipe.



Esta moda chegou ao país timidamente na década de 1990, e foi aderida por times cariocas. O próprio Flamengo, no ano de seu centenário, resgatou seu primeiro modelo de uniforme de futebol da história. Na sua estreia (vitória por 16 a 2 sobre o Mangueira, em 1912), os jogadores usaram uma camisa quadriculada com as cores vermelho e preto. Mas o relançamento da camisa apelidada carinhosamente de "papagaio-vintém" só funcionou em 1995, e a então fornecedora Umbro a tirou de circulação.



O retorno a este tipo de moda aconteceu no Rio no início do milênio, através do Fluminense. O time de Laranjeiras decidiu lançar vários uniformes alternativos - um em cor laranja (alusão ao Estádio das Laranjeiras), um totalmente grená e uma recente camisa que remete ao primeiro uniforme tricolor. A camisa branca com faixas diagonais à direita em grená e verde faz parte hoje do segundo uniforme do time.

Em 2006, o Vasco também lançou uma camisa com o pretexto de resgatar a história de seu primeiro uniforme. Ainda com a cruz no peito, mas sem trazer a faixa diagonal, e camisa e calção eram completamente negros.

Aos poucos, as equipes e suas fornecedoras de material esportivo viram que às vezes é fácil misturar paixão e dinheiro, seja por história ou inovação de uniformes. Os exemplos de São Paulo explicitam isto. Quem poderia imaginar um Corínthians vestido de roxo? Um Palmeiras vestido de branco e azul?



No início de 2010, a Penalty (em parceria com a marca Cavalera) lançou um terceiro uniforme para o Vasco, trazendo embasamento da história. Primeiramente, corrigindo um erro histórico que não se sabe quem foi o primeiro a cometer. A cruz que vinha nas caravelas portuguesas não era a Cruz de Malta, e sim a Cruz da Ordem de Cristo, com formato bem diferente da cruz da cidade portuguesa de Malta. Com o passar dos anos, no uniforme vascaíno passou a adquirir o formato de outra cruz - a Cruz de Pátea. Mas a nova terceira camisa fez jus à Cruz da Ordem de Cristo, e trouxe uma reverência à Ordem dos Templários.

Diz-se que paixão não tem preço. Mas a paixão clubística tem custado cada vez mais caro ao bolso dos torcedores, independente da qualidade do fornecedor de material esportivo. Os preços variam entre 150 e 200 reais (às vezes chega a ultrapassar este teto). E fisgam a paixão associada às cores do clube.

Mas, o problema do terceiro uniforme do Flamengo é justamente as cores. Não pela alusão a times como o argentino Boca Juniors, Madureira ou, até mesmo, na chacota que se fez em torno do uniforme - a roupa se assemelha com a do Tabajara Futebol Clube (time criado pelos humoristas do programa Casseta & Planeta, da TV Globo, definido como "o pior time do mundo" e que traz uma vaca como atacante). O problema foi a falta de cuidado em torno da nova roupa flamenguista.

Azul e amarelo não fazem parte da realidade do clube há mais de 100 anos. A camisa remetia ao time da Gávea somente na época em que era um clube de regatas. Mas a facilidade para desbotar no sol e também com o sal do mar logo fizeram o time deixar de lado estas cores e começar a vestir-se em rubro-negro.

Não há como fazer homenagem à tradição do Flamengo vestindo seus jogadores de futebol com azul e amarelo, por um simples motivo: o clube jamais teve em sua história nos gramados estas cores fazendo parte de seu uniforme. A máxima licença à qual os esquadrões rubro-negros se permitiam era a roupa predominantemente branca de seu uniforme. Mas com seus detalhes em vermelho e preto jamais abandonados.

Outra trapalhada deste lançamento foi a partida escolhida para a estreia. Por que escolher justamente um adversário que também é rubro-negro quando o uniforme vai mudar de cor? Até mesmo os jogadores se confundiam e davam passes errados para os adversários do Vitória.

Alguns torcedores flamenguistas chegaram a respirar aliviado quando o time saiu de campo sem os três pontos. Uma vitória no Barradão poderia fazer alguns supersticiosos defenderem o uso da camisa azul e amarela no jogo decisivo contra o Universidad de Chile, quando é mais natural restringir o terceiro uniforme a jogos festivos ou não-oficiais.

Não há dúvidas de que o terceiro uniforme foi um bom pretexto para o Flamengo tentar resgatar sua história em títulos e cores. Mas confundir a terra com o mar, e levar para o futebol uma homenagem que devia ser exclusiva ao remo, serviu apenas para desbotar a história de um clube que é rubro-negro.

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O tempo e o placar... agradece ao leitor Wilson Laranja, que sugeriu a matéria de hoje.

Um comentário:

Derbson Frota disse...

Esse lance de cores é uma questão de gosto. Eu sinceramente achei estranho e não compraria!
Mas quem sabe a nação acostuma, né? O Corinthians lançou seu uniforme roxo, o Palmeiras um da cor de marca-texto, por que o Fla não pode dar seu tom de aberração???rsrsrs

Derbson Frota
Tianguá CE