terça-feira, 28 de abril de 2009

A humilhante truculência



Desde a Copa do Mundo de 1982 que o futebol, aos poucos, foi mudando sua maneira de ser jogado em todos os campos do mundo. Nos gramados da Espanha, o "futebol arte" da Seleção Brasileira foi mandado mais cedo para casa, derrotado diante de uma Itália que aplicava um futebol burocrático, que priorizava o resultado, independente da maneira como se chegou a ele. Aos poucos, o Brasil também se adaptou a este esquema iniciado pelos italianos. Hoje, o que se vê também nos times daqui são formações recheadas de zagueiros e volantes - e algumas vezes tendo um jogador solitário no ataque.

Além dos placares ficarem mais minguados, ficou minguado também o pensamento dos artistas do espetáculo - que cada vez mais tendem a abandonar a ideia da arte no futebol. Sim, é bem verdade que ainda aparecem jogadores de destaque, capazes de encher os olhos com lindos lances. No entanto, eles são sufocados por atitudes mesquinhas de adversários, que recorrem a um controverso argumento para justificarem o uso da força, muitas vezes desproporcional.

Foi o caso do lateral-esquerdo Juan no empate de seu time, o Flamengo, com o Botafogo de Maicosuel (o "algoz" ou a "vítima", depende do ponto de vista do espectador). O camisa 10 alvinegro se desvencilhou do lateral na esquerda com um drible, e foi parado com falta. Com o meia caído, Juan se atirou no adversário e disse palavras que, na coletiva de imprensa, definiu como "pedido de respeito" e a maneira de impedir que ele fizesse "gracinha".

É curioso Juan definir sua conduta no Maracanã como uma forma de exigir respeito. Não se costuma dizer, em caso de uma agressão, que o agressor "partiu para a ignorância"? E a ignorância só não teve uma consequência maior para o rubro-negro porque o árbitro Rodrigo Nunes de Sá puxou somente o cartão amarelo. Caso contrário, o camisa 6 faria bastante falta ao Flamengo na partida decisiva pelo título de campeão do Rio de Janeiro, a ser realizada no próximo domingo.



De fato, o futebol atual no Brasil parece mesmo querer se privar dos lances inusitados que o consagraram aos olhos do mundo. Cerca de dois anos atrás, de Minas Gerais veio um lance ainda mais espantoso que o drible de Maicosuel. O atacante Kerlon, que defendia o Cruzeiro, inventou o "drible da foca", no qual ele deixava a bola na altura do nariz e ficava equilibrando até passar por um jogador que o estivesse marcando. Seu marcador, o lateral Coelho, do Atlético Mineiro, o parou com uma falta violenta, pelo mesmo argumento do flamenguista Juan: considerou a jogada uma "humilhação".



O eixo Rio-São Paulo apresentou no final do século XX dois momentos nos quais embaixadinhas do jogador de um time foram levadas como ofensa pessoal ao outro. No ano de 1999, o Corínthians tinha acabado de conseguir empatar em 2 a 2 uma partida contra o Palmeiras quando Edílson, ao pegar a bola, realizou alguns malabarismos. Em seguida, o lateral Júnior, o meia Zinho e o atacante Paulo Nunes partiram para cima dele e distribuíram socos e pontapés, numa confusão generalizada que manchou a final do Morumbi. Em 2000, o Vasco vencia o Flamengo por 5 a 1 na final da Taça Guanabara e o meia vascaíno Pedrinho repetiu o feito de Edílson, partindo no meio-de-campo equilibrando a bola. Os torcedores rubro-negros enxergaram como desrespeito sua atitude.

A expressão "respeitar o adversário" vem sendo muito difundida no cenário futebolístico, como forma de evitar a motivação ao adversário por alguma declaração infeliz. No entanto, isto não inclui um drible ou uma jogada bonita. Principalmente se o atleta que foi coadjuvante no lance resolva roubar a cena partindo para uma atitude truculenta.

Sim, o ditado "respeito é bom e a gente gosta" sempre é válido. Mas as torcidas gostam ainda mais de ver seus jogadores sem medo de arriscar uma boa jogada em campo. E jamais seria humilhante um lance bonito do outro lado. Humilhante mesmo é ver a arte do futebol que tanto consagrou o Brasil hoje ser definida por botinudos como "gracinha". É através do antijogo que o futebol nacional a cada partida vem perdendo a graça.

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