segunda-feira, 29 de março de 2010

O poeta da bola



Era uma vez, um Pelé que com a bola nos pés fez-se rei e decretou que a felicidade brasileira começava dentro das quatro linhas. Era uma vez, um Garrincha que driblava certo por pernas tortas. Era uma vez, um Zico que jogava futebol "como se a bola fosse uma rosa entreaberta a seus pés".

Era uma vez um poeta, fingidor por estar escondido no disfarce de jornalista esportivo, que a cada crônica tornava a ginga do jogo ainda mais lírica, traduzindo em palavras as grandes vitórias, as catastróficas derrotas, os jogadores vivendo a cada 90 minutos numa corda bamba em que o salto mortal poderia ser o grito de "gol" ou o sepultamento do sonho de milhares, de milhões de olhares das arquibancadas, das gerais, dos radinhos de pilha, dos televisores.

Era uma vez, ARMANDO NOGUEIRA. O craque que fez das letras suas chuteiras, que fez dos jornais os seus gramados, e que a cada texto se tornou a melhor pessoa a relatar toda uma história do mundo do futebol.

Armando trouxe a certeza de que "o futebol não aprimora os caracteres do homem, mas sim os revela". Armando viu, em plena época de Ditadura Militar, um lampejo de democracia na conquista brasileira da Copa do Mundo de 1970, ao dizer: "choremos a alegria de uma campanha admirável em que o Brasil fez futebol de fantasia, fazendo amigos. Fazendo irmãos em todos os continentes".

Armando Nogueira viu Copas desde 1954, na Suíça, de onde trouxe na bagagem o fascínio pela seleção da Hungria (a ponto de seu colega de crônica esportiva, o dramaturgo Nelson Rodrigues, defini-la como "a seleção húngara do Armando Nogueira"). Mas Armando Nogueira não estará na Copa do Mundo de 2010. 83 anos depois de seu nascimento, um câncer fez com que ele encerrasse sua carreira aqui na Terra na manhã de hoje.

Talvez tenha sido melhor assim para ele. Para quem viu a magia da bola, assistir aos maus tratos que a bola vem recebendo nesta era de futebol violento e retranqueiro, que vibra por empate sem gols, certamente seria um grande desapontamento.

Desapontamento como o deste que vos escreve, que desde menino acompanhava as crônicas de Armando Nogueira, no programa Esporte Real com Armando Nogueira, exibido pelo canal Sportv. E que agora tem a certeza de não mais realizar o sonho de conhecer pessoalmente um dos cronistas que mais influenciou sua modesta escrita.

Que o silêncio de um minuto não aconteça como homenagem para Armando Nogueira. Que a verdadeira homenagem venha do gramado, com novos motivos para gritos de gol e para crônicas cercadas do lirismo que o futebol sempre merece ter. Mesmo desfalcado do "poeta da bola", o esporte merece ter como herança ao menos um pouco da sua poesia.

3 comentários:

Marcos Fontelles de Lima disse...

Excelente Vinicius Nogueira!!!


Gosto muito do que falava e escrevia o Armando... Enquanto o Robinho dá CANETA em vários joões que ele herdou de Garrincha, o acreano Armando sempre fez varios gols de Caneta, a cada rodada do futebol...

CON disse...

Meu querido poetinha, você me emocionou...Que texto lindo!
Homenagem mais que merecida. Armando Nogueira ficará para sempre em nossa memória e coração!
Ele cumpriu bem seu papel e deixou seu exemplo.

Beijos azuisss...Tristinhos.

Nando Quaresma disse...

Triste estou com sua partida, deixou um vazio que não será mais tampado por qualquer outro ser de palavras fáceis e poéticas.

Grande Armando, minha infância e juventude até chegar na fase adulta foram voltados em ler o que você tinha a dizer. Você conseguia entre linha ser um gênio da literatura misturado com a bola que sempre vai girar.

Mas a partir de hoje, a bola vai girar com menos alegria e poesia. Assim era o Mestre Armando Nogueira, rico em palavras e coração.

Vá com Deus Mestre, e lá de cima torça muito para o verdadeiro futebol do RJ voltar a ser tão glorioso como era e o quanto mágico como você.

Não tenho mais o que dizer

Nando Quaresma