sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Futebol pandeiro










Já faz muitos fevereiros que o Brasil é conhecido como a terra do carnaval e do futebol. Estas duas celebrações do povo, inclusive, trazem muitas coisas em comum. Tanto a folia de Momo quanto o esporte bretão têm um lugar definido para serem realizados (o carnaval, no sambódromo e o futebol, nos estádios), mas os sentimentos envolvendo as escolas de samba e os times de futebol se estendem às arquibancadas e chegam às ruas, aos bairros, à cidade e ao país. E, atualmente, as vibrações em torno dos resultados acontecem com transmissão do rádio e da TV.

A diferença vem somente no momento da decisão. O resultado do futebol vai sendo desenhado meses a fio, em partidas que acontecem em campeonatos que se arrastam durante muito tempo para, ao final, premiar ou não o trabalho realizado pelo clube que mais triunfou em campo. Já a "temporada" carnavalesca deve ser toda desenhada para correr de maneira perfeita durante um dia - ou melhor, em cerca de uma hora (geralmente este é o tempo de passagem de uma escola na avenida) - e seu resultado é conhecido dias depois do desfile, de acordo com as notas de uma comissão de especialistas.

À medida que o futebol foi se tornando um esporte popular, a cada carnaval vinham novas músicas que começavam na voz da multidão presente na folia e depois ganhavam coro nas arquibancadas. É o caso da marchinha Mulata Bossa Nova ("Mulata Bossa Nova, caiu no Hully-Gully, e só dá ela..."), que ecoou em várias torcidas cariocas, como, por exemplo, na torcida Força Jovem, do Vasco da Gama, que canta: "a Força Jovem canta, galera se levanta, e só dá Vasco...". A marchinha Rema, remador, do verso "Se a canoa não virar, olê, olê, olá, eu chego lá..." também passou a ser cantada nos estádios, mas com uma paródia recorrendo a palavrões e a provocações agressivas do time que a entoa para seus respectivos rivais.

Outro grande exemplo de marchinha cantada em estádio veio na Copa do Mundo de 1950. No jogo entre a Seleção Brasileira e a Espanha, o Brasil derrotava os espanhóis pelo placar de 6 a 1 quando o estádio do Maracanã em peso cantou a música Touradas em Madrid. O único que não conseguiu cantá-la foi seu autor, Braguinha, que, emocionado por ouvir sua canção na voz de 200 mil pessoas, não se conteve e começou a chorar. Reza a lenda que torcedores brasileiros que estavam próximos a ele acharam que se tratava um espanhol chorando pela goleada que a Espanha sofreu.

Com o sucesso do desfile das escolas de samba no carnaval do Rio de Janeiro, algumas agremiações decidiram levar para a Marquês de Sapucaí um pouco da paixão dos gramados. O primeiro veio em 1995, quando a escola Estácio de Sá celebrou os 100 anos de fundação do Clube de Regatas Flamengo. Abaixo, a letra do samba-enredo Uma vez Flamengo...:

Cobra coral
Papagaio vintém
Vesti rubro-negro
Não tem pra ninguém

O céu rasgou
Na noite que reluzia
Um show de estrelas
Brilhou nos olhos
De um novo dia

A poesia
Enfeitada de luar
Encantou o Estácio, oh, paixão
Paixão que arde sem parar

É mengo, tengo
No meu quengo é só Flamengo
Uh! Tererê
Sou Flamengo até morrer

Seis jovens remadores
Fundam o grupo de regatas
Campeão, o seu destino, ô
É ganhar em terra e mar

Fazendo sol
Pode queimar, pode chover
Vou ver Fla-Flu
Fla-Vas vou ver

Diamante negro, Fio Maravilha
Domingos da Guia, Zizinho, Pavão
Gazela negra
Corre o tempo no olhar

Será que você lembra
Como eu lembro o mundial
Que o Zico foi buscar

Só amor
Na alegria e na dor,ô, ô
Parabéns dessa galera
Cem anos de primavera


Três anos depois, foi a vez do Clube de Regatas Vasco da Gama receber uma homenagem do samba pelos 100 anos de fundação. De Gama a Vasco, a epopeia da Tijuca levou a história da caravela cruzmaltina ao som da reverência criada pela Unidos da Tijuca:

Vamos vibrar meu povão,é gol, é gol
A rede vai balançar, vai balançar
Sou Vasco da Gama, meu bem
Campeão de terra e mar

Através da mão divina, amor
Naveguei, naveguei
O meu sonho de menino
Quis assim o meu destino
Portugal e toda a Europa encantei

Naveguei
E novos povos encontrei
Por tempestades e lendas eu passei
Para um almirante a coragem é a lei

Por tantos mares viajei
Na Índia, eu então cheguei
Veio o progresso nessa aventura
Descobertas e culturas

É nessa onda que eu vou
O povo vai recordar
Vem com a Unidos da Tijuca festejar

É nessa onda que eu vou
O povo vai recordar
Vem com a Unidos da Tijuca festejar...

Rio de Janeiro, brasileiro, meu irmão
Sou Vasco da Gama, tantas vezes campeão
Quando entra no gramado me alucina
Esse clube da colina, centenário de paixão
Estrela no céu a brilhar
Que faz essa galera delirar


O desfile das escolas de samba de São Paulo trouxe exemplos mais curiosos da ligação entre o futebol e o carnaval. Duas grandes torcidas organizadas resolveram festejar também na folia do carnaval paulista, levando a rivalidade também para o sambódromo paulistano.

De um lado, a Gaviões da Fiel, torcida do Corínthians fundada em 1969 e que no ano de 1975 passou a concorrer nos desfiles carnavalescos da cidade. Do outro, a Mancha Verde, que desde 1983 é a maior torcida do Palmeiras, mas somente 12 anos depois de sua fundação caiu no samba em São Paulo.

Além dos sambas temáticos das escolas, há um outro momento inusitado que o carnaval proporcionou nas arquibancadas. No Maracanã, Bangu e Coritiba decidiam a final do Campeonato Brasileiro de 1985. Apoiados por vascaínos, tricolores, flamenguistas e botafoguenses, os banguenses também cantaram o samba-enredo Ziriguidum 2001, que ficou conhecido na Sapucaí no início daquele ano através da Mocidade Independente de Padre Miguel. Mas em campo não adiantou nada: o time paranaense levou a melhor, e depois de empate em 1 a 1 no tempo normal, o "Coxa" ganhou seu único título brasileiro nos pênaltis.

"Bamba" em campo, o ex-jogador Júnior (atualmente comentarista da TV Globo) também se aventurou a passear pela praia do samba. Às vésperas da Copa do Mundo de 1982, ele lançou um compacto no qual interpretava a música Voa, canarinho.

Mas, certamente, o maior momento da ligação entre os sambistas e os apaixonados por futebol foi criado em 1982. Em seu LP É melhor sorrir, Neguinho da Beija-Flor escreveu e gravou a canção O campeão (mais conhecida como Domingo), que conseguiu a proeza de ser "adotada" nos cantos de todas as torcidas organizadas dos grandes clubes do Rio de Janeiro. Até hoje, durante jogos realizados no Maracanã, as torcidas entoam este grito (naturalmente, após o "ôôô", eles gritam o nome do time que apóiam):

Domingo
Eu vou ao Maracanã
Vou torcer pro time que sou fã

Vou levar foguete e bandeira
Não vai ser de brincadeira
Ele vai ser campeão

Não quero cadeira numerada
Vou vibrar na arquibancada
Pra sentir mais emoção

Porque meu time
Bota pra ferver
E o nome dele
São vocês que vão dizer

Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô
Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô...


Num país que tem samba no pé - tanto nos passistas da escola de samba quanto na habilidade dos jogadores de futebol - nada mais justo do que O tempo e o placar... destinar um post de carnaval à moda futebolística. Afinal, o Brasil sempre pede passagem para a alegria que o "futebol pandeiro" tem a mostrar.

Um bom carnaval a todos!

Este blogue volta a ser atualizado na Quarta-Feira de Cinzas, dia 25 de fevereiro.

5 comentários:

Armindo Guimarães disse...

Olá, Vinícius!

Versando a temática do desporto-rei, acredito que com a competência jornalística que é teu apanágio “O tempo e o placar” irá seguramente oferecer aos seus leitores momentos de reflexão e quiçá de emoção.

Ao inaugurar tão brilhante iniciativa não podia deixar de te apresentar as minhas felicitações entrando na jogada com um golaço à Pelé (ou à Eusébio), relembrando aqui a pré-história do futebol brasileiro, quando no domingo 26 de Abril de 1500 é realizado o primeiro encontro de futebol em Terras de Vera Cruz, mais exactamente em Porto Seguro, e que doravante catapultou o Brasil como a maior e melhor “fábrica” de especialistas na matéria.

Eis a constituição das equipas e o relato do jogo:

Os Tupi

1 – Airy (Palmeira)
2 – Moema (Doce)
3 – Cauã (Gavião) – Capitão da equipa
4 – Guaraci (Sol de verão)
5 – Potira (Flor)
6 – Jaciara (Luar)
7 – Jaci (Lua)
8 – Araquém (Pássaro)
9 – Piatã (Forte)
10 – Tinga (Branco)
11 – Anauá (Pau de flor)

Equipamento: todos nus


Os Capitães da armada

1 – Gaspar de Lemos
2 – Pêro de Ataíde
3 – Diogo Dias
4 – Bartolomeu Dias – Capitão da equipa
5 – Nicolau Coelho
6 – Luís Pires
7 – Pedro Alvares Cabral
8 – Nuno Leitão da Cunha
9 – Aires Gomes da Silva
10 – Sancho Tovar
11 – Simão de Pina

Equipamento: todos vestidos


Árbitro:

Armindo Guimarães

Equipamento: Calção branco às bolinhas azuis e camisa branca com a foto do LP de 1977, do Roberto Carlos.

Juízes de linha:
Açuã (Talo de espiga)
Cajuru (Boca do mato)

Equipamentos: todos nus

Colocada a bola ao centro, o árbitro, munido de um chocalho tupi, dá inicio ao jogo e as claques gritam apoiando as equipas. A equipa tupi entrou bem. Mais ousada que a equipa da frota, que apostava numa pressão alta para impedir que o meio-campo tupi pensasse o jogo. Mesmo assim, não tardou que o conjunto nativo criasse perigo. Na sequência de um canto, Anauã fez golo que o árbitro anulou por fora de jogo. A claque tupi reagiu de imediato com uma ladainha que ninguém entendeu, mas que por certo queria significar: “Fora o árbitro! Fora o árbitro! Gatuno! Gatuno! Gatuno!”.

O árbitro, que era luso com alma veracruciana, não entendendo os apupos, mas percebendo os gestos, vai daí e demite-se da sua função, entregando o apito, melhor dizendo, o chocalho, ao Frei Henrique que passou a dirigir o jogo.

Esse lapso de tempo foi o suficiente para a equipa da frota se recompor, passando a equipa tupi a sentir sérias dificuldades em entrar na área do adversário, onde o central Pedro Álvares Cabral se mostrava imperial. Porém, quando menos se esperava, Jaciara deu nas vistas. Primeiro, fez uma arrancada que só não deu frutos porque o remate saiu torto. Depois, na marcação de um livre directo, atirou forte em direcção à baliza do goleiro Gaspar de Lemos que num golpe de rins desviou a bola para fora.

Entretanto, a passe de Moema, Potira lança a bola em profundidade para Piatã que dominando o esférico com o peito desfere um potente remate sem hipóteses de defesa para o goleiro Gaspar de Lemos. Estava feito o 1-0 que a claque tupi festeja euforicamente com gritos de contentamento e uma salva de flechadas atiradas para o ar, facto que obrigou à debandada das duas equipas que se protegiam com as mãos na cabeça. Este incidente obrigou Frei Henrique a interromper o jogo durante cerca de 15 minutos a fim de que fosse mantida a ordem e recolhidas as setas caídas no terreno de jogo.

Retomado o jogo, a bola é novamente colocada ao centro, e Bartolomeu Dias dribla um tupi, outro e mais outro, centra para Cabral que por sua vez passa para o Simão de Pina que de calcanhar enfia a bola por baixo das pernas do goleiro da equipa tupi. Era o empate e agora foi a vez da claque da armada festejar entusiasticamente a alegria do golo. A um sinal de alguém da assistência, uma das 12 naus ancoradas ao largo, arremessa para o mar uma bombarda que ecoou pela praia, ferindo os tímpanos dos jogadores e das claques.

A jogada seguinte, iniciada por Guaraci, seria, talvez, a melhor jogada do encontro, não fosse ter resultado na saída em padiola de um seu colega de equipa, o Araquém, que, centrando brilhantemente para Jaci, este devolve com um pontapé potente para o mesmo Araquém que não pôde evitar receber a bola nas vergonhas, caindo inerte na areia, sendo imediatamente levado para fora do terreno de jogo e socorrido por um dentista que logo tratou de o massajar nas partes lesionadas. Com grande resultado, diga-se de passagem, pois Araquém veio a si numa fracção de segundos.

Dado o adiantado da hora, o árbitro deu por terminado o encontro que se saldou num empate a um golo e num gesto significativo que tanto sensibilizou a equipa tupi e a sua claque, o Viajante Virtual dono da bola, ofereceu-a ao capitão tupi que, emocionado, retribuiu com um par de maracas.

Aquela bola de futebol irá ficar para sempre na Terra de Vera Cruz, e algo nos diz que os tupis farão bom uso dela.

James Lima disse...

Fala, Vinícius !

Rapaz, não é só sobre o Roberto Carlos que você sabe muito não, viu?

Bom, o texto tá muito bacana, envolvente. As informações são interessantes. Muito bacana a relação que você fez entre duas das maiores paixões nacionais, o futebol e o carnaval. E olha que a relação realmente não é pequena, hein?

Outra coisa da qual me recordo é da torcida gritando "Poeira", da Ivete Sangalo, uma música que também lembra muito o carnaval [da Bahia].

O Blog tem tudo pra decolar. Faz umas divulgações dele aí no orkut e faz parcerias com outros sites. Qualquer dia desses você vai estar trabalhando na TV Esporte Interativo kkk.

Um Forte Abraço
James Lima
www.robertocarlos.vai.la

Vinícius Faustini disse...

James,

bem lembrado o "Poeira". Eu não incluí a canção da Ivete porque ela, apesar de ser carnavalesca, vai mais pro axé. Tenho vontade de inclui-la num post mais adiante, quando eu falar sobre as canções da Música Popular Brasileira presentes nos cantos das torcidas organizadas.

Don Armindo,

quem diria temos um correspondente internacional que se revelou um historiador que vai além dos séculos. Ande cá, depois desta primeira partida em terras brasileiras, quando ocorreu a revanche?

Abraços aos dois,

Vinícius

www.otempoeoplacar.blogspot.com

www.diariodeumsalafrario.blogspot.com

www.emocoesrc.blogspot.com

Marcos Fontelles de Lima disse...

Grande Vinícius!!!

E-S-P-E-T-A-C-U-L-A-R !!!!!

Futebol, samba (música) e mulher são as formas mais precisas de se reconhecer um brasileiro, e pelo jeito um Portuga tbm!!!

Grande abraço!

Ah! o link prometido:

http://www.youtube.com/watch?v=GypE_OBCanQ

O lançe inusitado ocore lá pelo segundo minuto do vídeo... a narração é de um programa de esportes local, mas tbm passou na globo, com a "narração inconfundível de Léo Batista". Gol de Alex Sandro!!

Armindo Guimarães disse...

Olá, Vinícius!

Essa de eu ter sido nomeado correspondente internacional de "O tempo e o placar...", é uma honra.

Fico a aguardar o envio do respectivo cartão.

Abraços