segunda-feira, 2 de julho de 2012

"Quero passar o verdadeiro espetáculo, com eficiência"

Durante muitas postagens, os leitores de O tempo e o placar... se acostumaram a conviver com o comentarista Fernando Quaresma, presença constante do DEBATEBOLA 4 LINHAS. Pois bem, 2012 passou, e, após o fim do programa (que durou três temporadas), Quaresma se aventurou pela Europa em busca de um sonho que muitas mães não desejam para seus filhos: ser treinador de futebol.

Fernando Quaresma viajou primeiro para Portugal, até encontrar em Roma o pontapé inicial do seu sonho. Na capital italiana, o "homem do rádio" (segundo palavras de Flávio de Sá) se formou treinador pela Escola Europeia de Futebol, com patrocínio da A.S. Roma. De volta ao Rio de Janeiro, Quaresma concedeu entrevista por Facebook a este que vos escreve, em um papo de amigos sobre tática, técnica e expectativas pelo mercado da bola para um novo treinador.

 Com vocês, o treinador Fernando Quaresma!  

Vinícius Faustini  

Em seu período de estudo em Roma e no tempo em que esteve em Portugal, quais foram as diferenças que percebeu do modelo tático europeu e do padrão tradicional usado por treinadores brasileiros?

O Brasil tem um modelo bastante semelhante ao que os italianos usaram durante muito tempo. Os portugueses gostam de toques mais rápidos e descem em alta velocidade contra os adversários, dificultando assim o poder de reação da defesa. Os italianos costumavam ser conhecidos pela valorização de sua defesa, mas, pelo que mostraram nesta Eurocopa , agora prometem fazer um jogo semelhante ao da Espanha. O Brasil precisa voltar a jogar como as seleções de 1982 e 1970. Essas duas seleções sabiam girar a bola pelo campo adversário, e no momento certo, atacavam os rivais, que ficavam desgastados por correr atrás da bola, e abria boas oportunidades para o poder ofensivo brasileiro.

 Onde começou a ficar restrito o talento que antes era constante no Brasil?

Quando resolveu mudar seu estilo de jogo pós-Copa 1982. Infelizmente, no Brasil temos a visão que só presta quando é campeão, mas nem sempre o que venceu um torneio é sinônimo de desenvolvimento. Deveríamos ter treinadores com pensamentos de profissionais da área de gestão, que possam cuidar de assunto a curto , médio e a longo prazo.
  
 Se o Brasil já tem esta visão de curto prazo, por que se aventurar na carreira de treinador, como você está fazendo?

Porque eu gosto do esporte e sei que posso contribuir e aprender bastante com outros profissionais. Quero muito me divertir e passar, acima de tudo, o verdadeiro espetáculo, com eficiência, ao público que espera que seu time faça jogos que prendam a sua atenção.  

Onde você acredita que possa contribuir como profissional?

 Na área técnica e gestão. É muito comum na Europa os clubes terem técnicos que também são gestores e contribuem no crescimento e desenvolvimento do clube. A tendência no futuro, é que mais times possam adotar essa ideia. O grande exemplo é o meu ídolo maior, e mentor, José Mourinho (técnico do Real Madrid, campeão espanhol da temporada 2011-2012).

 Acha que isto tem espaço no futebol do Rio de Janeiro, até hoje tão associado ao amadorismo?

O ideal no futebol do Rio de Janeiro seria ter menos politicagem e um número maior de profissionais que sabem gerir um time. Não adianta montarmos elencos fortíssimos, e nos esquecermos de um estádio de futebol, CT, local atrativo para os profissionais poderem realizar o seu trabalho e a valorização da base do clube, que é o coração do time. Podem subir jogadores talentosos e gratuitamente.

 E quais as coisas que você gostaria de aprender com os outros técnicos?

Fundamento tático, preparação fisica, psicológica, e emocional. Também seria bom ter experiências positivas e negativas no mundo da bola, como lidar com as "Marias-chuteiras" e saber ajudar os seus comandados. E, claro, como ser um treinador de sucesso.

 Com o que acha que vai ser mais difícil de conviver: paixão da diretoria ou paixão da torcida?

Os dois são grandes desafios. A diretoria, evidente, quer resultados expressivos e consequentemente títulos. A torcida, além destas duas bases, quer ver grandes espetáculos. O torcedor é muito passional e isso é bastante compreensível. Mas quero muito conquistá-los e ganhar a confiança deles  

Retornando às quatro linhas: como você vê o maniqueísmo atual do futebol? De um lado, os apaixonados constantes pelo Barcelona e pela seleção da Espanha, e, do outro, pelo estilo de um Chelsea, por exemplo?

 Estamos abrindo nas quatro linhas algo que os estudantes de psicologia devem escolher ao se formarem: que tipo de metodologia vão usar. Se vai seguir Freud ou Jung. começo a enxergar dessa forma no mundo da bola. O Barcelona escreveu na história contemporânea a importância da valorização do passe, girar a bola e saber atacar usando o raciocinio. O Chelsea ensinou a importância de sermos eficientes, e que muitos consideram antijogo de futebol - o que eu discordo totalmente. Acho que eles aprimoraram a forma de jogo iniciado por José Mourinho em tempos de Inter de Milão, e souberam tirar proveito desse tipo de metodologia. Sobre os fãs, eles estão cada vez mais técnicos e exigentes. Vejo pelas redes sociais os torcedores debatendo sobre posicionamento tático, e acho isso muito interessante. são essas horas que podemos aprender com eles, por que não?  

Quais times brasileiros te fascinam mais atualmente?

 Vasco, Fluminense e Corinthians. Acho que hoje o Vasco é o melhor time do Brasil e conta com a boa fase do Juninho, que sempre será aquele jogador decisivo e diferenciado. No Fluminense, não posso esquecer de elogiar o Deco e sua performance em 2012. Tenho visto alguns de seus jogos, e fica clara a dependência do Fluminense pelo jogador. Sobre o Corinthians, fiquei surpreso com a forma deles atuarem em 2011 e muito mais em 2012. Me lembra a forma em que o Grêmio jogava nos playoffs da Copa do Brasil no passado. Sabem fazer resultado fora de casa e jogar de igual para igual, mesmo não contando com tantas estrelas, como no caso do Vasco e Fluminense.  

Acha que algum time pode surpreender?

Eu dei uma entrevista recentemente para um portal, falando sobre o time do Coritiba. Não têm estrelas, a diretoria estipulou um teto salarial no clube após o rebaixamento em 2009, e confiaram no trabalho do Ney Franco, que após sua saída para a Seleção Sub-20 recomendou o Marcelo Oliveira. O Marcelo vem dando aulas de como ter um elenco sem estrelas, mas competitivo. Em 2012 conseguiram chegar em mais uma final da Copa do Brasil, e não ficaria surpreso se chegassem em uma Libertadores no próximo ano - seja pela Copa do Brasil ou pelo Brasileiro.